A demanda pela reversão de vasectomia vem aumentando pelo mundo, talvez acompanhada paralelamente pelo aumento da proporção da escolha da vasectomia como método de eleição para contracepção.
A reversão de vasectomia é quase sempre indicada com o objetivo de restauro da fertilidade, embora valha a pena relembrar que ela também pode ser indicada como método de tratamento cirúrgico da síndrome de dor crônica pós vasectomia.
A vaso-vasostomia e a vaso-epididimostomia são os dois procedimentos designados para se corrigir a obstrução deferencial causada pela vasectomia. Funcionam como by-passes micro-cirúrgicos.
Revisão dos dados anatômicos relevantes
Para melhor entendimento cirúrgico dos procedimentos de by-pass utilizados para reconstrução do trato reprodutivo masculino, é fundamental que se tenha noção clara da anatomia e fisiologia do sistema ductal deferencial, epididimário e testicular.
Os espermatozoides maduros são produzidos pelo túbulos seminíferos testiculares e liberados no lúmen tubular, sendo drenados para a rede-testis e posteriormente para a cabeça do epidídimo, onde já se iniciam os túbulos epididimários. O túbulo epididimário é um enovelado microscópico que mede cerca de 5 a 6 metros de comprimento, dividido grosseiramente em três regiões: cabeça, corpo e cauda. Na cauda epididimária o túbulo emerge já sendo denominado deferente.
O deferente apresenta uma porção proximal tortuosa conhecida como convoluto, mas se torna uma estrutura retilínea a medida que avança no sentido abdominal. Os deferentes saem do escroto no sentido da região inguinal, cruzam os ureteres até sua porção posterior a bexiga, conhecida como vesícula seminal, até cruzar próstata e desembocar na uretra prostática.
Considerações Cirúrgicas Gerais
As cirurgias de reversão de vasectomia podem ser realizadas em regime ambulatorial. Alguns centros pelo mundo preconizam a cirurgia até com anestesia local, nos casos onde o tempo de vasectomia é inferior a oito anos e o risco de se ter que realizar uma vaso-epidídimo anastomose menor.
As incisões longitudinais escrotais são as mais utilizadas, pelo fato de se ter acesso a segmentos mais extensos dos deferentes. Caso a vaso-epidídimo anastomose seja necessária, a incisão é ampliada a ponto de oferecer a exposição total testicular e epididimária ipsilateral. Usualmente não se realiza biópsia testicular no mesmo ato.
Da mesma forma, a vasografia não é realizada de rotina, ao menos que se tenha forte suspeita de obstrução deferencial no nível inguinal ou abdominal.
Dois princípios cirúrgicos básicos mas fundamentais para o sucesso neste dois tipos de by-pass são:
- A anastomose deve ser livre de tensão, ou seja, os dois cotos deferenciais precisam estar bem mobilizados e dissecados, sendo que os pedículos devem ser preservados o máximo possível, de forma a evitar isquemia e estenose;
- A anastomose deve se realizada de maneira a se evitar extravasamento de liquido seminal, que pode causar a formação de granulomas no local e comprometimento da patência tubular.
Como decidir entre vaso-vaso anastomose e vaso-epidídimo anastomose?
A escolha do tipo de reconstrução depende dos seguintes fatores clínicos-cirúrgicos:
- Tempo desde a realização da vasectomia;
- Qualidade do liquido seminal fluido durante sua coleta no coto deferencial proximal e análise microscópica;
- Experiência micro-cirúrgica do cirurgião principal que executará o procedimento, levando em consideração que a vaso-epidídimo anastomose é um procedimento desafiador mesmo para os micro-cirurgiões experientes, com a necessidade de alto grau de magnificação.
Técnica Cirúrgica da Vaso-Vaso Anastomose
O procedimento se inicia com duas incisões escrotais paralelas no sentido da rafe-mediana e com dissecção dos locais prévios da vasectomia, com os cuidados necessários para se manter o pedículo do deferente e evitar isquemia es estenose no pós-operatório da reversão. O uso de bisturi bipolar é recomendado, de forma a se minimizar o dano tecidual local.
Após adequada mobilização deferencial, o local da vasectomia prévia é ressecado e os cotos deferenciais expostos. Fator importante a ser levado em consideração é a viabilidade dos cotos, que devem estar bem irrigados e sem sinais de fibrose local, para garantir taxas de permeabilidade e sucesso maiores no pós-operatório.
O fluido seminal proveniente do coto proximal então é analisado no microscópio e a presença de espermatozoides móveis é fator prognóstico independente para o restauro da fertilidade após as anastomoses. Neste mesmo ato, caso espermatozoides móveis sejam encontrados, estes podem ser criopreservados para uso futuro ou no caso de falha da anastomose.
A vaso-vaso anastomose pode ser realizada com o uso de lupas cirúrgicas ou com microscopia. As duas técnicas cirúrgicas mais aceitas e com resultados de sucesso semelhantes são a técnica de anastomose em um plano total e em dois planos (mucosa e sero-muscular).
Embora alguns autores preconizam que a técnica de anastomose em dois planos possa oferecer melhor alinhamento da mucosa e menor taxa de extravasamento de liquido seminal no pós-operatório.
A técnica em um plano foi popularizada por Schmit e pode ser realizada com o uso de lupas cirúrgicas. Alguns cirurgiões usam clamps para fixacão e aproximação dos cotos, além de mantê-los estáticos durante o procedimento.
Outros fixam os cotos com pontos de prolene 6.0 de reparo, como forma de facilitar a anastomose. Anastomose é realizada com fio de nylon 9.0, plano total, ou seja, englobando desde a mucosa até a camada adventícia mais externa. Geralmente são dados de 8 a 10 pontos de forma a manter a anastomose vedada.
Como o crescimento da cirurgia robótica, nao será nenhuma surpresa caso este tipo de tecnologia seja aplicada no campo da microcirurgia urológica. Resultados preliminares em animais revelam que os fatores limitantes associados à expertise do cirurgião, como tremor e manejo de estruturas delicadas, podem ser ultrapassados e melhorados com o uso da cirurgia robótica.
Reconstrução com Vaso – Epidídimo Anastomose
Diferentemente da vaso-vaso anastomose, a vaso-epididimo anastomose é um procedimento cirúrgico muito mais delicado, trabalhoso e que requer maior habilidade microcirúrgica por parte do cirurgião principal. Inicialmente detecta-se local onde será realizada a anastomose no epididimo, optando-se pelo local onde houver maior dilatação tubular.
Prepara-se o coto distal como habitualmente é realizado da vaso-vaso anastomose e incisa-se o epididimo no local onde estiver o túbulo mais dilatado que receberá a anastomose. A anastomose é realizada com maior magnificação e com nylon 10, em um plano único e com reforço sero muscular no final com nylon 9.
Muito importante e que deve ser destacado é que idealmente o cirugião que se propuser a realizar a vaso-vaso anastomose deve estar preparado para caso necessite de uma vaso-epididimo anastomose.